A Nível de Myself

sábado, outubro 16

Eu te amo, sabia?

Noite estrelada de verão, centro da cidade, prédios, luzes, carros passando na rua movimentada, estilo Times Square, e esse casal conversando numa mesinha do lado fora de um dos bares.
Ele: Eu te amo, sabia?
Ela: Eu também...
Ele faz silêncio e ela faz cara de quem não está acreditando.
- Só?? Cadê a intensidade, a paixão, aquela "coisa" que a gente tinha até um tempinho atrás? Sabe, às vezes eu desconfio que você nem me ama mais... Pelo menos não como antes.
Ele faz silêncio por uns segundos, olha para a mesa, respira um pouco mais forte do que o normal, volta a olhar pra ela e diz.
- Sabe, amor... Eu ainda te amo sim, exatamente como sempre, mas a gente já tá nisso há tanto tempo e eu já não tenho mais criatividade pra mostrar isso das maneiras como eu fazia antes.
- Mas quem precisa de criatividade quando se trata de amor?? É só dizer com mais emoção, sem essa cara de "disse isso porque isso é o que eu tinha que dizer"! Você não me entende?? Eu quero me SENTIR amada de novo!! Quero sentir que você é o mesmo cara que um dia olhou pra mim e viu a mulher da vida dele!
- Sabe, amor...
- Resposta errada! - ela o interrompe - Já é a segunda frase seguida que você começa com "Mas, amor..."! Agora é minha vez: sabe, amor... tchau!
Enquanto ela levanta, pega a bolsa que estava pendurada na cadeira e sai, dando as costas para ele, tudo que eu consegue fazer é olhar, com espanto. Claro, ele nunca pensou que ela pudesse fazer isso, apesar d'ela já ter ameaçado atitudes assim antes. E o pior era que, agora, dado o tom de voz propositadamente alto que ela usou na sua última frase, todos os das muitas mesas vizinhas olhavam para ele, esperando uma atitude, uma reação.
Ela já estava a dez passos de distância, e as pessoas olhavam para ele com "anda, paspalho!" escrito nas suas testas.
Ela já estava a vinte passos, e as pessoas mudaram a frase das suas testas para "não acredito que esse cara é tão idiota!"
A trinta passos de distância, algumas pessoas já desistiam de esperar alguma coisa dele, e, as que ainda o olhavam, não tinham mais do que reticências em suas expressões.
Ele pega o celular, aperta alguns botões e, antes que ela esteja a cinquenta passos de distância, uma pick-up para ao lado dela, com um grande placar luminoso escrito "Eu te amo, sabia?". Ela olha sem entender, vira-se para seguir o seu caminho e vê um outro painel luminoso, dessa vez na fachada de um prédio. Antes lia-se "Nokia", agora, "Eu te amo, sabia?"
E, de uma hora para outra, todos os painés luminosos da rua mostravam a mesma frase.
Ela está completamente desnorteada. Via, mas não podia acreditar. Então ela percebe que as pessoas que passam vestem camisetas brancas com a frase "Eu te amo, sabia?" escrita em vermelho. Ela vira-se em todas as direções para conferir se todos as vestiam e, sim, todos as vestiam. Enquanto fica atônita, virando-se para todos os lados, sente duas mãos segurarem firme os seus dois braços junto ao corpo. Levanta os olhos e o vê. Ele, o abandonado da mesinha do bar. Que olha para ela, que não tem forças nem para saber o que está acontecendo, que dirá para impedir qualquer coisa e lhe dá o beijo mais apaixonado que qualquer um ali já tenha visto (isso é perceptível pelas expressões das pessoas ao redor). Ao fim do beijo, ele olha para ela e diz, com a voz mais doce e apaixonada do mundo:
- Eu te amo, sabia?
Ela o beija e o abraça muito forte, chorando apaixonadamente, enquanto os painéis eletrônicos mudam suas frases para desenhos de coraçõezinhos e fogos de artifício voam pelo céu, formando desenhos de corações.
- Corta! Ficou perfeito, pessoal! Até amanhã! - grita o diretor, e logo todos estão se despedindo e indo para as suas casas, depois de uma cena muito bem filmada.
No meio disso tudo, um jovem figurante está escorado numa parede, pensando na sua amada, com uma lágrima prestes a cair:
- É... Seria ótimo se na vida real fosse fácil assim.